Apronfudamento no instituto da legítima defesa

Sem dúvida a mais famosa e recorrente das causas excludentes de ilicitude do Direito Penal. 

O grande problema é não estudar o tema de maneira aprofundada. Um advogado atuante na esfera criminal, tem por obrigação analisar detalhadamente cada caso, e estar ciente de todas as possibilidades que a matéria lhe proporciona.

A doutrina majoritária e a jurisprudência nos trazem diversas definições que constantemente são utilizadas no dia a dia forense, e também cobradas em provas de concursos públicos.

Dentro deste texto, vou procurar disponibilizar para vocês, o material mais completo possível, para que consigam entender a legítima defesa além do seu simples conceito.

Vamos aprofundar os seus requisitos, diferenciar a legítima defesa real da legítima defesa putativa e trazer até vocês situações especiais demonstrando se nestas ocasiões, caberá ou não a aplicação desta causa de exclusão da ilicitude.

REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA

Entende-se por legítima defesa, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O primeiro questionamento importante é: existe a necessidade de requisito subjetivo? A resposta é sim! Apesar de a lei somente trazer requisitos objetivos expressamente, a doutrina majoritária entende também a necessidade de requisito subjetivo.

Passada essa questão, cada requisito descrito na lei, tem suas particularidades e temas discutidos na doutrina e jurisprudência, o que torna uma obrigação, estuda-los de forma separada. É o que faremos!

PRIMEIRO REQUISITO: AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE

Agressão pressupõe ato humano! E dentro desta pequena afirmação se levanta a dúvida: E quando o homem utiliza o animal como arma, uma reação será considerada legítima defesa?

Será considerada legítima defesa SIM! Exemplo prático: um rapaz que está passeando com seu Pitbull, cruza com um inimigo, abre a coleira e faz com que o cão avance sobre este inimigo. Neste caso o que temos é uma AGRESSÃO HUMANA! O agressor é o dono e não o animal. 

A ausência de estudo desses pequenos questionamentos é o que nos fazem entender a legítima defesa de maneira superficial e não aprofundada. 

Agressão pressupõe ato humano sim, porém é importante lembrar-se do apontamento citado acima. 

Seguimos agora para verificar o que é agressão injusta, atual ou iminente.

a) Agressão injusta

É aquela contrária ao direito. É aquela que a vítima não está obrigada a suportar. Parece um conceito idiota, mas faz todo sentido quando esclarecemos as seguintes questões:

1- A agressão tem que ser necessariamente violenta? A resposta é não! A lei fala em agressão injusta.

Exemplo prático: Pode haver reação em caso de furto. O crime de furto não contém violência.

2- A agressão precisa ser dolosa? A resposta é não! Pois a lei fala em agressão injusta.

Exemplo prático: retirar um motorista bêbado de um ônibus lotado de passageiros. A agressão não é dolosa, mas exigiu uma reação.

3- A agressão pode ser por ação ou omissão? A resposta é sim!

Exemplo prático: Um juiz concedeu a liberdade provisória, mas a autoridade penitenciária não cumpriu. Essa omissão do estado é considerada agressão injusta.

4- A agressão injusta, tem que ser necessariamente um crime? A resposta é não! A lei não diz agressão criminosa. Diz agressão injusta.

Exemplo prático: Rapaz que entra no mercado subtraindo uma bolacha. O dono poderá reagir em legítima defesa. Porém o autor do furto será beneficiado pelo princípio da insignificância. O comportamento do autor é atípico, mas trata-se de uma agressão injusta. 

b) Agressão atual ou iminente

A agressão atual é aquela que ocorre quando o agressor já começou a ofender o bem jurídico, mas ainda não cessou.

Por outro lado a agressão iminente é aquela que está prestes a se tornar agressão atual.

Também são conceitos simples, mas de onde podemos retirar algumas questões.

1- Agressão futura justifica legítima defesa? A resposta é não!

Exemplo prático: Sujeito A diz que matara o sujeito B na próxima vez que B passar por ele. Antes disso o sujeito B mata o sujeito A sob a justificativa de agressão futura. Isto não é legítima defesa!

2- Agressão passada justifica legítima defesa? A resposta também é não!

Exemplo prático: O sujeito que busca a arma em casa após uma briga de bar, não poderá alegar legítima defesa, pois estaria reagindo a uma agressão passada.

Passamos agora a analisar o segundo requisito.

SEGUNDO REQUISITO: DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO, ATACADO OU POSTO EM RISCO DE AGRESSÃO

Quando a lei fala em Direito, o termo representa qualquer bem jurídico. Ou seja, a legítima defesa existe para defender qualquer bem jurídico. Não só a vida e o corpo. 

Um questionamento recorrente é: existe legítima defesa da honra? A resposta é sim, desde que proporcional.

Exemplo prático: Uma esposa que está traindo o marido com o vizinho. O marido flagra a traição e acaba por matar os dois. Não caberá a justificativa de legítima defesa. Pois é totalmente desproporcional.

Outro questionamento é se cabe a legítima defesa de terceiro. A resposta também é sim.

A lei diz "direito próprio ou alheio", e nesse caso é importante analisar a natureza do bem jurídico tutelado (se é disponível ou indisponível).

1- Bem jurídico indisponível - Cabe legítima defesa mesmo contra a vontade do titular. Exemplo de bem jurídico indisponível: vida

2- Bem jurídico disponível - A recusa do titular impede a defesa. Exemplo de bem jurídico disponível: honra, patrimônio.

TERCEIRO REQUISITO: REAÇÃO COM OS MEIOS NECESSÁRIOS

Uma definição simples: o meio necessário é aquele utilizado para fazer cessar a agressão. É o meio que o agente dispõe naquele momento para fazer cessar a agressão.

O que se deve aprofundar aqui é o seguinte: O indivíduo dispõe de um só meio ou de vários meios para fazer cessar a agressão?

1- Se dispõe de um só meio - Esse será o meio necessário. Exemplo: único meio disponível para cessar a agressão é uma pedra.

2- Se dispõe de vários meios - O agente terá que utilizar o meio que produz o menor dano. O menos lesivo. Exemplo: Um indivíduo que está apanhando, sofrendo uma agressão injusta, dispõe de uma pedra, um bastão, uma faca e uma arma de fogo para fazer com que cesse a agressão. 

Nesta ocasião ele terá que utilizar o meio que produz o menor dano. Se posso cessar a agressão com um bastão, eu não poderei utilizar uma arma de fogo. 

QUARTO REQUISITO: USO MODERADO DESSES MEIOS

Quando citamos moderação na legítima defesa, quer dizer que deverá haver uma proporção entre agressão e reação.

A análise do caso incidirá sob a intensidade da agressão. Isso revelará se a reação foi proporcional.

Uma reação com uma arma de fogo, pode ser proporcional em algumas situações, mesmo que a agressão esteja sendo realizada com os punhos por exemplo. 

Tudo dependerá da intensidade dessa agressão.

Um exemplo prático: Um homem com características físicas normais, sendo espancado por um lutador de MMA. A reação com uma arma de fogo que partirá do homem agredido, poderá ser considerada proporcional Pois seria naquela ocasião o meio necessário para fazer cessar a agressão. 

Analisamos até aqui os requisitos para configuração da legítima defesa. Observa-se as inúmeras questões tratadas dentro desse tema, e que muitas vezes são desconhecidas até por um advogado atuante na área criminal.

São colocações que fazem enorme diferença em teses defensivas e que são recorrentes em provas de concursos públicos. 

Seguindo adiante, veremos a diferença entre legítima defesa real e legítima defesa putativa. Outro tema extremamente recorrente.

LEGÍTIMA DEFESA REAL E LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA

A grande questão aqui é saber que a legítima defesa real exclui a ilicitude, enquanto a legítima defesa putativa isenta o agente de pena ou o pune por culpa.

Para se entender melhor, analisemos ambas de forma separada.

1- LEGÍTIMA DEFESA REAL

Um simples conceito: é a legítima defesa onde realmente existe uma agressão injusta. Com a fundamentação no artigo 23 inciso II + Artigo 25 do Código Penal. 

Pelo fato de ser injusta a agressão, a exclusão será da ilicitude.

2- LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA

Nesse caso, o agente por erro, supõe a existência da agressão injusta. 

"Putativum" em latim siginifica imaginário.

Um exemplo prático: Um indivíduo parado em um sinaleiro. Local conhecido por recorrentes assaltos. Observa um vulto com um objeto e acelera o carro, matando a pessoa.

Porém tratava-se na verdade de um lavador de carros, portando um rodo. 

A fundamentação para tese defensiva aqui, encontra-se no artigo 20, parágrafo 1 do Código Penal: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Verifica-se então que:

1- Erro plenamente justificado - estará o sujeito isento de pena

2- Se o erro deriva de culpa - Responderia o sujeito por homicídio culposo, pois o homicídio possui a figura culposa descrita em lei. 

Portanto, Legítima defesa putativa, diferentemente da legítima defesa real, não exclui a ilicitude, mas sim, isenta de pena!

Passaremos a partir de agora a analisar algumas situações discutidas pela jurisprudência e também essenciais para o domínio do tema.

Chamaremos o tópico de situações especiais da legítima defesa.

SITUAÇÕES ESPECIAIS DA LEGÍTIMA DEFESA

A) LEGÍTIMA DEFESA SUCESSIVA

É basicamente a reação contra o excesso. 

Exemplo prático: O sujeito A agride injustamente o sujeito B. O sujeito B reage para se defender, mas não cessa a agressão. Reage de maneira desproporcional.

O sujeito A, passa a ser vítima da situação.

Diante desse excesso do sujeito B, o sujeito A, tem o direito da legítima defesa sucessiva? A resposta é sim! Pois a reação desproporcional do sujeito B, transformou-se em uma agressão injusta.

B) LEGÍTIMA DEFESA REAL RECÍPROCA

Aqui o raciocínio segue a linha de que para caracterização de uma legítima defesa real, deve haver uma agressão injusta.

Da reação justa em legítima defesa (legítima defesa real), não cabe a legítima defesa real recíproca, pois estaria o agente reagindo de algo justo e não de uma agressão injusta.

C) LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA RECÍPROCA

O que se sabe é que na legítima defesa putativa não há necessidade de uma agressão injusta. Porém, tudo decorre do erro.

Nesse caso, é possível sim a legítima defesa putativa recíproca.

Mais fácil compreendermos exemplificando. 

Exemplo prático: Sujeito A não tem boa relação com o sujeito B. Ambos encontram-se em uma esquina, ambos estão com a mão no bolso. E ambos pensam "ele vai puxar uma arma pra me agredir".

Imaginando estarem sendo vítimas de uma iminente agressão injusta, sacam suas armas e efetuam disparos. Desse modo é possível afirmar que temos a legítima defesa putativa recíproca. Pois os dois agentes atiraram em uma situação de erro, uma situação imaginária.

D) LEGÍTIMA DEFESA REAL DA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA

Aqui se segue uma linha de raciocínio parecida com a opção anterior.

Adianto que é possível. Entenderemos com maior facilidade através de um exemplo.

Exemplo prático: Sujeito A e sujeito B que são inimigos, encontram-se em um estacionamento de um shopping. O sujeito B, nesse momento, está colocando a mão no bolso a procura de seu celular.

Porém o sujeito A imagina que o sujeito B está puxando uma arma e não um celular. Ao achar que está correndo risco de vida, o sujeito A saca sua arma de fogo em legítima defesa putativa.

O sujeito B ao perceber a ação do sujeito A, também saca a sua arma para reagir em legítima defesa real. Pois a agressão do sujeito A é injusta contra ele, que estava apenas procurando o celular. 

E) LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA DE UMA LEGÍTIMA DEFESA REAL

Em um primeiro momento é difícil imaginarmos a possibilidade de uma legítima defesa putativa sob uma legítima defesa real. 

Mas por incrível que pareça, isso é possível sim! Mas temos uma peculiaridade: há a necessidade de um terceiro na cena.

Para facilitar a compreensão, um exemplo prático: Entro em uma sala onde um terceiro está puxando uma arma na direção do meu pai. Eu mato o terceiro.

Quando tudo se acalma, eu descubro que na verdade o agressor injusto era o meu pai. Ou seja, o terceiro se defendia legitimamente do meu pai (estava em legítima defesa real).

E eu, agindo em legítima defesa putativa, atirei em quem estava em legítima defesa real.

F) LEGÍTIMA DEFESA E ABERRATIO ICTUS

Importante relembrar o artigo 73 do Código Penal, que trata da matéria Aberratio Ictus.

Artigo 73 - Quando por acidente ou erro nos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no parágrafo 3 do artigo 20 deste código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste código.

Aqui temos que trabalhar com o artigo 25 (legítima defesa) combinado com o artigo 73 do Código Penal.

Exemplo prático: Imagine que o sujeito A está sendo agredido de maneira injusta pelo sujeito B (agressor injusto). O sujeito A para se defender dispara uma arma visando acertar o sujeito B.

Porém, o sujeito A ao disparar, acerta o sujeito C, que passava pelo local e não tinha relação alguma com a situação.

O mais importante aqui é lembrar que o instituto da Aberratio Ictus, leva-se em consideração as qualidades da pessoa visada, e não da pessoa atingida. 

Como o sujeito A, visava acertar o agressor injusto (sujeito B), sua defesa poderá utilizar-se da tese de legítima defesa. 

Vale ressaltar que em uma situação como essa, temos um caso excepcional de indenização em um ato lícito. O sujeito A, terá que indenizar os herdeiros do sujeito C, mesmo agindo em legítima defesa. 

G) PARÁGRAFO ÚNICO ACRESCENTADO PELO PACOTE ANTICRIME - LEGÍTIMA DEFESA DE AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA

Primeiramente, vejamos o que nos diz o parágrafo acrescentado pelo pacote anticrime.

Artigo 25, parágrafo único - Observando os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

De um ponto de vista técnico jurídico, trata-se de um acréscimo totalmente desnecessário.

O parágrafo adicionado, exige a observação dos requisitos previstos no caput.

E se existe uma vítima mantida refém há uma injusta agressão.

Dessa forma o agente público estará de uma vez só agindo, em estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa de terceiro. 

São essas as questões que julgo de suma importância trazer até vocês. Aprofundamos ao máximo o estudo do instituto legítima defesa. São entendimentos recorrentes na vida de um advogado criminalista e que também são cobrados em provas de concurso público.

Para buscarmos a melhor defesa, é necessário um estudo completo de cada tema. Isso em várias oportunidades, fará a diferença na vida de seu cliente.

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